Sábado,20 de abril de 2024, nessa data uma parte importante da história de Teixeira de Freitas se foi.
Temóteo Alves de Brito faleceu, levou com ele, no constante nascer e morte que somos, todo o amor que dedicou a cidade e ao município que ele criou.
Ao liderar a emancipação política de um povoado que fazia parte do município de Alcobaça, Temóteo estava criando o Município de Teixeira de Freitas.
Ao ser eleito o primeiro prefeito do novo município, Temóteo começou a viabiliza-lo e trouxe departamentos e agências dos governos, Estadual e Federal.
Como se esta cidade fosse uma filha, Temóteo a amou demais. Quando uma pessoa me fala que ama a cidade que vive, eu logo pergunto: e o que você já fez pela cidade que você diz que ama? Aí conto pra essa pessoa sobre Temóteo e o amor que ele tinha por Teixeira de Freitas. Pra mim ele passou a ser referência de como amar a cidade em que vivemos. Ele ensinou para cada um dos que conviveram com ele, como amar Teixeira de Freitas. Tive o privilégio de conviver com ele e além de aprender a amá-la, Ouvir as histórias da cidade que ele amava. Como a do primeiro enterro no cemitério Jardim da Saudade, Como foi feito o parque de exposições que leva o nome dele. A construção do mercado municipal, da UNEB e tantas outras historias.
Conhecimento:
Trabalhei para ele em duas campanhas eleitorais. Uma para deputado estadual e outra para prefeito. Ele venceu as duas, foi o político mais disciplinado com quem já trabalhei. Sua inteligência era notável. Uma vez me pediu para fazer o texto para um vídeo da propaganda eleitoral, que ele iria gravar para o horário do programa do TRE. Eu fiz um longo texto e dei pra ele dentro do estúdio. Ele me devolveu o papel com o texto e disse : “ lê pra mim que eu guardo tudo”, eu não confiei muito, mas li. Acabei de ler e ele disse, pode gravar. Gravando repetiu tudo certinho, até as pausas das pontuações ele deu. Na última campanha para prefeito, ele queria uma frase que definisse seu envolvimento com a cidade, ele pediu para minha amiga Ana Lisboa, que estava ajudando naquela campanha, buscar urgente a frase comigo, tudo dele era na pressa, como ele dizia: “ pra ontem, sebo nas canelas”. Escrevi num pedaço de papel e entreguei pra Ana, ela me perguntou se não teria uma outra frase como opção, caso ele não gostasse daquela, eu disse a ela que não, pode levar que essa é a que expressa o sentimento dele pela cidade e define o que ele quer dizer para a população, a frase era “O Amor Maior Por Teixeira”Ele amou a frase.
A César o que é de César:
Se hoje temos prefeito, câmara de vereadores,devemos a ele. Se temos uma cidade que cresceu e se tornou a principal cidade do Extremo Sul baiano e atualmente é a 8ª maior cidade da Bahia com população estimada em 2021 de 164.290 habitantes, devemos a Temoteo por sua luta e liderança para emancipa-la, transformando um pequeno povoado na cidade de hoje.
Se nós estamos vivendo neste momento em Teixeira de Freitas, é porque bem lá atrás, no ano de 1984 , ele lutou para emancipar um povoado, que em 9 de maio de 1985 conseguiu,criando o município em que hoje vivemos.
TIMA, o artilheiro do time:
As vezes certos sentimentos transcendem a razão, Temóteo como político transcendeu a própria política.Seus eleitores transformaram o político em paixão. Como se Temóteo fosse um time de futebol de grande torcida, ele passou a ter torcedores-eleitores. Para esses torcedores-eleitores, Temóteo era o craque do time. Insubstituível no time que disputava os torneios políticos, como eles transformaram as eleições, nas quais ele disputava e também para sempre insubstituível em seus corações. Temóteo cresceu tanto nos corações dos seus torcedores-eleitores,que ao partir,não deixa ninguém para substituí-lo. Os votos que um dia teve,foram com ele.
A pergunta que nós deveríamos fazer a nós mesmos,todos aqueles que vieram pra Teixeira,os que nasceram aqui e os de outros municípios vizinhos que aqui vieram trabalhar,seria :
E se não fosse Temóteo, nós estaríamos aqui? Como teria sido Teixeira sem ele?
Temóteo deixa um legado extraordinário, será lembrado para sempre.
Ele “sai da vida e entra para a história”,a história do município que criou e da cidade que tanto amou.
Tenho saudades de mim,
quando tudo não era assim,
com esse aço ferindo meu braço,filtrando a vida que corre em mim.
Sinto saudades de mim.
Antes do silêncio do mundo fazer morada em mim.
Não cantam os pássaros, as músicas calaram e o meu cão não late mais.
Solidão, rotina e o fim
Sinto saudades de onde vim
As montanhas e vales não vivem em mim.
Vou com as nuvens que passam ligeiras,volto para o lugar que deixei
Tudo ficou para trás,a vida,o amor, a perda de alguém que amei.
Tenho saudades do vento,do cair da noite,das árvores que plantei,da casa, da varanda, onde amei, sofri e chorei.
Tenho saudades de mim, busco um sentido no fim.
Alguém me conduz por caminhos que Deus permitiu
Olhar vazio de um azul que partiu.
Quantas saudades de mim que um dia existiu.
Conheci o Seu Armando, como todos o chamavam no clube que eu frequentava no Rio de Janeiro. Ele jogava tênis, mesmo já beirando os 70 anos de idade, jogava com os mais novos. Ele na juventude tinha sido um bom tenista, quando a idade chegou ele deixou de jogar simples e passou a jogar duplas, transformando-se em um bom duplista. Armando,ou Mandinho, era assim e sem o “seu”antes do nome, como nós do tênis o chamávamos, esse seu era para os outros que não faziam parte da turma do tênis. Entre uma partida e outra, sentávamos à sombra de uma amendoeira que ficava próxima a quadra, conversávamos sobre tudo,críticas à tudo não faltavam, eu adorava escutar as opiniões do Mandinho.
Blue Eyes:
Eu gostava tanto de conversar com ele que descobri que o primeiro a chegar no clube era ele, morava bem perto e ia de bicicleta. Eu passei a chegar cedo para fazer companhia a ele. Enquanto os outros parceiros não chegavam , ficávamos conversando. Mandinho na juventude tinha sido um homem muito bonito,um galã das praias do Rio de Janeiro, disputado pelas mulheres, principalmente as que vinham fazer turismo no Brasil e viam o Mandinho como o verdadeiro latin lover,queimado do Sol, olhos azuis ,alto e o corpo que hoje chamam de sarado.Já com a idade avançada ele ainda chamava a atenção,com seus cabelos brancos e lisos a contrastar com a cor da sua pele bronzeada pela exposição ao Sol que nos queimava na quadra de tênis e fazia com que seus olhos azuis sobressaíssem ainda mais. Ele chegava no clube sempre de bom humor. Ele era casado com uma mulher bem mais nova do que ele, pelo menos dez anos mais nova. Ela ia na academia do clube todos os dias. Passava pela quadra e se Mandinho estivesse conversando fora da quadra,ela dava um adeus e seguia, ele respondia e voltava a conversar. Eles tinham dois filhos casados que lhes deram quatro netos.
Desencontros:
Numa manhã quando cheguei no clube, Mandinho que sempre chegava e ficava fazendo alongamentos de pernas e braços,estava sentado de cabeça baixa,olhando para a grama aos seus pés. Cheguei perto dele e ele nem notou a minha presença, só quando falei dando bom dia foi que ele levantou a cabeça e respondeu. Sentei ao seu lado como sempre fazia e aí, foi que ele começou a falar. Ele me perguntou: você já se apaixonou por uma namorada, ou uma amante? Achei estranho essa pergunta, mas respondi que já tinha me apaixonado.Ele então continuou: olha eu já me apaixonei duas vezes, a primeira vez eu era muito novo, tinha vinte e dois anos, a idade das paixões ardentes, aquelas quê doem mais do que as paixões dos adolescentes. Ela era mais velha do que eu, tinha quarenta anos e era casada com um homem mais velho do que ela uns vinte anos.Ela era linda,eu até hoje tenho a imagem dela bem nítida na memória. Eu encontrava com ela todas as tardes, mas chegava nos fins de semana eu não podia vê-lá, ela tinha que ficar com o marido. Isso me deixava louco, eu sofria com isso. Chegava nas segundas-feiras eu estava morto de ciúmes.
Mentiras:
Ela pra acalmar meu ciúme, dizia o que todas elas dizem quando vivem uma situação assim: “ meu marido é um velho, dormimos até em quartos separados, nem olho para o corpo dele ,não gosto que ele me toque ,tenho nojo do corpo de velho dele,não sinto tesão por ele, depois que conheci você tudo mudou, como vou fazer amor com ele?” E sabe de uma coisa? A paixão era tanta que eu acreditava em tudo o que ela me dizia. Depois nosso caso não deu certo e nem poderia dar,eu era muito jovem , não podia oferecer nada a ela. Ela cansou e mudou-se com o marido pra outro país.
Game over:
Anos e anos depois conheci minha esposa. Ela com dez anos menos do que eu .Foi também uma paixão ardente, ela sempre foi muito linda, casamos e fizemos uma família. Estamos casados a trinta e oito anos ,ontem ela me chamou pra conversar, tivemos uma conversa calma. Ela disse que não me ama mais,que conheceu uma pessoa com quem já vem mantendo um relacionamento. Ela vai seguir a vida dela com outra pessoa. Segundo ela ,eles estão apaixonados. Lembra da história que eu lhe contei da minha primeira paixão,que ela dizia pra mim aquelas coisas todas do marido dela? Pois é hoje a minha mulher deve dizer o mesmo de mim para o seu amante. Ele levantou e me disse: amigo, hoje eu não vou jogar.
Depois desse dia não vi mais o Armando.Dizem os amigos que ele separou da mulher, mas não conseguiu sair da casa em que morava, ela ficou no quarto de casal e ele foi morar num pequeno quarto ao lado. Dizem também que ela continuou o caso com o amante, continuaram a ter uma vida paralela.
Hoje, anos depois, ao abrir o Facebook, lembrei dessa história que ele me contou, ao ver um companheiro do tênis lamentando a morte do Armando.
Outro dia fui a uma noite de autógrafos. Por que escrevo sobre uma noite de autógrafos? Um evento que as editoras sempre organizam,geralmente feito em livrarias e convidam a imprensa pra divulgar. Por quê escrevo sobre esta noite de autógrafos,o que teve ela de especial? Duas coisas me motivaram a escrever.A primeira delas o autor, sim o autor, a idade do autor, ele uma criança de dez anos. A segunda coisa a me motivar, foi o assunto que o autor abordou , o bullying na escola.
Achei interessante um autor de dez anos, abordar um assunto que normalmente só é discutido por educadores, psicólogos , pessoas ligadas a educação de crianças e adolescentes. Pessoas que têm a opinião de fora para dentro do problema. Sim, o bullying é um problema. Ele com essa idade frequenta o centro desse problema,sua visão é de dentro para fora do que chamamos de problema.
Essa coisa que hoje tem nome em inglês,o bullying é uma palavra que deriva do inglês bully, que apresenta duas definições; como substantivo o termo bully significa agressor e como verbo significa intimidar,o seu derivado bullying é definido como comportamento agressivo.
No meu tempo tinha outro nome,chamávamos de implicante,não existia esse comportamento de conotação agressiva a ponto de querer humilhar o agredido e sentir prazer em fazê-lo repetidas vezes.Convivíamos todos juntos em espaços pequenos, como as salas de aulas e pátios de recreio, o gordo, o magro, o alto, o baixinho , o de óculos , o ruivo, o louro, quase todos tinham apelidos e adoravam serem chamados pelos apelidos. Perdiam o nome e ganhavam uma marca, como se fossem produtos fabricados pela turma. O gordo podia ter o nome que fosse, era o Gordo, o magro era Magrão,ou Girafa,o ruivo era Cenoura, o de óculos era Caixa d’oculos,nunca entendi esse apelido, e assim íamos vivendo e dividíamos tudo. Da merenda que levávamos,que hoje é chamado de lanche ,ás brincadeiras no pátio da escola,tudo era compartilhado. As maiores implicâncias eram as borrachas, lápis e réguas que eram apanhadas e escondidas, deixando o dono irritado a procurar e ninguém dizia onde estava, mas isso era feito com todos, não tinha um que fosse escolhido e que só fizessem com ele.
Chamei o autor do livro pra conversar e falei pra ele: eu tenho uma opinião a respeito do bullying na escola, eu acho que a tecnologia contribui muito pra isso. Cada dia mais vocês se isolam atrás dos celulares. Passam horas absorvendo os conteúdos de jogos e filmes que a internet proporciona.Acabou o compartilhamento de brincadeiras e algazarras no recreio. Vocês não sabem mais brincar juntos, não se esbarram, não se agrupam, não criam mais brincadeiras, vocês perderam a criatividade pra brincar. O celular é a fonte única do exercício de brincar. Quando em algum momento vocês se juntam , não se toleram, como os personagens dos jogos e filmes vistos no celular. Passam a imitá-los. Colocam pra fora,sem saber, o que absorveram desses jogos e filmes.Escolhem geralmente o mais tímido e jogam em cima dele as frustrações, “como se estivessem jogando no celular”
Gostei que o autor do livro, “ Gilberto e seu amigo Jacaré” tenha dado um final conciliador na história. A turma acolheu o praticante de bullying e o perdoou .Quem sabe se não é essa a forma de tratar esse problema, juntar a turma e fazer com que ela não exclua o autor de bullying e busquem inseri-lo? Em tempo: o autor desse livro chama-se Pedro Cohin Ledo, tem dez anos e é meu neto.
Essa história aconteceu na cidadezinha de Frei Leodonio.É uma pequena cidade ao lado do município de Duque de Caxias, às margens do córrego Zé Felipe. Dizem que Frei Leodonio está localizada no meio do nada, isso porque distante de Salvador, a capital do Estado, longe dos outros Estados que fazem divisa com o Estado da Bahia, como Minas e Espírito Santo, ela é como um ponto jogada no mapa da importância político-social do Estado. Frei Leodonio é formada por poucas ruas,uma única e larga rua central de onde todas as outras nascem e terminam no córrego Zé Felipe,ou na fazenda do coronel Leoncio Ribeiro, mais conhecido como Leoncio galo cego.
Manda quem pode, obedece, quem tem juízo:
A cidade de Frei Leodonio tem como prefeito o doutor Brito, Baltazar de Brito , um médico que chegou a cidade ainda jovem e fez sua carreira profissional, atendendo a todos os moradores de Frei Leodonio. Não há nenhum morador de Frei Leodonio que não tenha sido atendido pelo doutor Brito, por ser ele o único médico da cidade. Ele era um homem calmo de gestos comedidos, que aparentava ter a idade que tinha, sessenta e cinco anos, magro, alto, andava curvado, vestia-se com um certo desleixo. Sua face era pálida e mostrava um ar de sofrimento, e era difícil definir que espécie de sofrimento esse ar indicava, isso era um mistério. A solidão que o doutor Brito vivia, só era quebrada quando ao cair da noite , ele se dirigia ao Bofetada, o bar do Arnaldo, onde se reunia quase sempre com o Nezinho Falcão, líder político da cidade e quem tinha feito o doutor Brito, entrar para a política e ser o prefeito de Frei Leodonio. Por isso, todos na cidade falavam que o verdadeiro prefeito da cidade era Nezinho Falcão. Um homem rude, mal educado, quase um analfabeto, mas era o homem mais rico e mais poderoso de toda a região. Seus contatos políticos chegavam até Salvador, com isso ele se tornou uma espécie de “cacique político” de Frei Leodonio.
Pedacinho do Céu:
Nezinho Falcão era casado com dona Flora Peixoto, chamada por todos pelo apelido carinhoso de dona Florzinha. Ela era, o que as pessoas costumam dizer de pessoas educadas e calmas, um amor de pessoa. Ninguém entendia como ela era casada com Nezinho Falcão e, como podia conviver com ele. Dona Florzinha era uma mulher que o casamento não lhe deu filhos, ela então criou e passou a se dedicar as obras sociais do Padre Orlando. Era a primeira a chegar, todos os dias, para assistir a missa das sete horas, depois do ofício religioso ela se dirigia ao orfanato Pedacinho do Céu, lá ela era enfermeira, administradora, a mãe que faltava para as crianças abandonadas e recolhidas pelo Padre Orlando. Com o dinheiro do Nezinho Falcão, o Pedacinho do Céu era mantido.
A influente florzinha:
A cidade de Frei Leodonio há tempos precisava de um dentista.Os moradores da cidade quando tinham um problema, recorriam ao dentista de Sequeiro Verde, cidade que ficava distante cerca de cento e cinquenta quilômetros . Mas, bastou dona Florzinha precisar para Nezinho Falcão mandar o doutor Brito, arrumar um com urgência. Logo doutor Brito lembrou de um , que era filho de amigo e estava em Salvador, querendo se estabelece no interior. Fez o contato e rapidamente chegou a Frei Leodonio um dentista.
Desembarcou na cidade um sujeito que poderia estar nas telas de cinema. Alto, cabelos lisos e negros,moreno bronzeado pelo sol de Salvador, olhos verdes,contrastando com a cor da pele,logo o Doutor Miguel virou a atração da cidade.Nezinho Falcão cedeu uma casa que ele tinha na cidade, para servir de consultório e moradia do dentista. O doutor Miguel colocou o consultório na sala da frente e, nos outros cômodos fez a sua moradia.
O tratamento:
Na semana seguinte que o dentista chegou, dona Florzinha foi a sua primeira consulta com ele . O doutor Miguel avaliou e disse a ela que o tratamento iria demorar,tinha muita coisa pra fazer.
Depois daquela primeira consulta, dona Florzinha e doutor Miguel, já começaram a se chamar sem o dona e sem o doutor,agora era Florzinha e Miguel. Na semana seguinte, sem nenhum deles contar para o outro,já estavam nas suas noites de insônia,um pensando no outro. Na terceira semana,as conversas já tinham evoluído para o perfume que cada um usava, ele estendeu o braço para ela sentir o perfume que ele estava usando,ela afastou os cabelos e mostrou o seu pescoço para ele sentir o perfume dela. Pronto! Eles começaram a pensar um no outro, se durante os dias era terrível, durante as noites era tenebroso.Os dias das consultas não eram mais espaçados,uma ou duas vezes por semana,agora elas eram constantes. Um dia,Miguel se encheu de coragem, pediu para ela entreabrir os lábios que ele queria ver algo,ela fez e ele lhe deu o primeiro beijo, que foi devidamente correspondido.
Poço de virtudes:
Nezinho Falcão começou a achar que o tratamento estava demorando de mais. Perguntou ao seu amigo o doutor Brito, se era assim mesmo e se demorava assim tanto. O doutor Brito disse que as vezes demorava mesmo e perguntou: por quê essa preocupação? Nezinho Falcão disse que Florzinha andava muito estranha, toda vez que ele a procurava para fazer sexo,ela inventava uma desculpa para não fazer,era uma dor de cabeça, dor nos dentes, enxaqueca, mal estar, no dia seguinte não sentia mais nada. Doutor Brito ouviu aquela conversa toda calado e quando falou, perguntou: Nezinho, você acha que dona Florzinha anda lhe traindo com o doutor Miguel? Acho que não deveria pensar uma coisa dessas, dona Florzinha é um poço de virtudes.
Desfecho fatal:
Nezinho Falcão, agoniado com uma possível traição, no dia seguinte quando Florzinha foi ao dentista, ele esperou um pouco e foi atrás. Aquela casa do consultório era dele,ele tinha uma chave, abriu a porta do consultório e não encontrou ninguém, entrou pelo corredor e abriu a porta que dava para o quarto. Encontrou os dois amantes nus e abraçados na cama,tirou o revólver da cintura e matou os dois. Em seguida foi até a delegacia, entregou a arma e confessou o que tinha feito.
Quando aconteceu o seu julgamento , anos depois, ele sentado no banco dos réus, teve um ataque cardíaco e morreu no fórum da cidade.
Mário era um homem que, se não tivesse nascido, tinha que ser inventado.
Eu estava em uma cerimônia fúnebre, olhando de longe o que estava acontecendo. Via as pessoas chegarem e se aproximarem de um caixão com um defunto dentro. Algumas faziam o sinal da cruz e oravam olhando para o morto. Outras só ficavam olhando e pareciam também orar. Eu não quis chegar perto, fiquei, como disse, olhando de longe, nem sequer fixei meu olhar no corpo de Mário, agora deitado e pronto para ser sepultado.Nunca mais ouviria a sua voz rouca a me contar as histórias vividas por ele.
O charme do morto
Mario tinha sido pra mim um dos melhores professores de vida mundana que eu tive. Essa vida que caracteriza o mundo a “vida em sociedade” em seus aspectos convencionais e superficiais, as formalidades e etiquetas. Fomos grandes parceiros.
Mario era um bom vivant, homem bonito, elegante, educado, meigo, tinha bom gosto em tudo que escolhia e, segundo as mulheres, tinha muito charme. As histórias em que ele se metia, algumas delas, poderiam fazer parte de filme de comédia. Não foi à toa que um filme nacional de comédia , que fez muito sucesso na época, chamado “Os Paqueras” com alguns episódios engraçadíssimos, trouxe um que foi vivido na vida real pelo Mário.
Situação constrangedora:
O episódio contava a história de um amante, que vai ao encontro da sua amada, casada, no meio da tarde e na casa dela. Quando eles estão na cama, no quarto do casal, escutaram a porta da sala se abrindo e o marido chamando a fulana. Só deu tempo do Mario pegar as suas roupas e se esconder atrás das cortinas do quarto, onde tinha um blackout grosso para escurecer o quarto. O apartamento era no primeiro andar e tinha a sua fachada toda em vidro. Quando Mario olhou para frente, viu algumas pessoas olhando pra cima, com cara de espanto e assustadas. Foi aí que ele lembrou que estava nu e pisava nas suas roupas que estavam no chão. Ele não podia se mexer pra vesti-las, as cortinas iriam balançar e o marido iria perceber. Começou a juntar gente na portaria do prédio e gritar para aquele homem sair dali. Uma vizinha resolveu chamar a polícia. Mario saiu preso como ladrão, a sorte foi que o delegado era frequentador do mesmo bar em que Mario tomava o seu chopp.
E por falar em Chopp…
Uma vez estávamos tomando chopp no Castelinho, bar famoso do Rio de Janeiro na década de 60. Era o bar da moda, frequentado por artistas, músicos, jovens em geral. Era uma mesa cheia, tinha outro amigo que ainda não era famoso do público televisivo, mas era famoso em Ipanema, era o Paulo Silvino. Tinha um gago na mesa que era amigo do Silvino, um cara todo metidão. Mário vivia implicando com ele. De repente Mário avistou alguém e foi ao encontro, voltou alguns minutos depois com um sujeito tipo halterofilista, hoje chamaríamos de marombeiro. Apresentou a todos e colocou o rapaz ao lado dele. Daqui a pouco o rapaz começou a falar e notamos que ele era também gago. Ninguém riu e cada um de nós pensou na coincidência de ter dois gagos na mesa. O gago que estava sempre conosco, respondeu uma pergunta que Mário fez a alguém da mesa, claro que gaguejando. O outro gago olhou pra ele e também gaguejando, falou: bababaca o que tata meme imitantando? Dito isso partiu pra cima do gago querendo enfiar a mão na cara dele. Tudo isso porque Mário ao convidá-lo para que ele viesse pra nossa mesa, disse que tinha um cara muito gozador e que talvez o imitasse.
História não contada:
No velório fiquei sabendo que Mário, desgostoso com a vida, fez de tudo pra morrer. Não se cuidou mais, remédios, esquecia de tomar, parou de comer. Mário morreu no quarto dos fundos da casa da sua mulher. Ela cedeu aquele quarto talvez pelos momentos felizes que tinha passado ao seu lado. Nas histórias que ele nunca contou, ele havia perdoado uma traição da mulher. Ao conviver com aquela traição, ele deve ter aberto espaço para que uma doença pulmonar fosse a causa da sua morte.
Eu tento lembrar de todas as histórias engraçadas do Mário, mas aquela que insiste em fazer morada em minha lembrança, é a do final de vida dele. Sempre imagino ele sozinho, morando em um quarto da casa que ele construiu e que sua ex-mulher cedeu para ele morar.
Mário escondeu sua dor de todos, no quarto dos fundos sem ninguém.
Essa história me foi contada por Nalda. Foi minha colega quando passei pelo serviço público, dividíamos a mesma sala minúscula de uma casa antiga em Botafogo, um bairro do Rio de Janeiro. Naldinha, como todos a chamavam, era uma mulher madura, já tinha seus 45 anos, tinha vinte anos como funcionária pública, era formada em Pedagogia e seu trabalho era voltado para traduzir os nossos projetos em linguagem acessível, passando do técnico para a linguagem popular. Por força do nosso convívio do dia a dia profissional, acabamos por estreitar também nossos laços familiares. Casada, tinha dois filhos, ela me apresentou seu marido, com o qual era casada há 17 anos. Eu brincava muito com ela, perguntava onde foi que ela tinha arrumado um homem com aquele nome. Eu dizia que ela foi procurar num cartório, para ter esse nome só pra ela. Ele se chamava Policarpo Caldas.
Drama de Nelson Rodrigues:
Essa parece uma daquelas histórias que o grande dramaturgo, Nelson Rodrigues, contava em suas colunas no jornal Última Hora, publicadas durante dez anos. A coluna dele chama-se “A Vida Como Ela É…” O cenário desses dramas e tragédias do cotidiano é o Rio de Janeiro da década de 1950, e seus personagens vêm das famílias tradicionais dos subúrbios cariocas, eram histórias do cotidiano, vividas por pessoas comuns, como eu, você e tantos outros, mas com o tempero do Nelson Rodrigues.
O gostosão:
Naldinha me escolheu para confidente. A vida de infelicidade no casamento, eu já tinha decorado por ela tanto me contar. Policarpo era um homem conquistador, metido a gostosão,
fazia um tipo de galã com olhar de mormaço. Se apresentava para as amigas de Naldinha dizendo: muito prazer, Policarpo Caldas, doce até no nome. Era sabido que ele tinha uma amante lá no bairro da Tijuca, uma amiga de Naldinha contou pra ela. Ele se apaixonou por essa amante e vivia com Naldinha como se já estivessem separados. Não existia mais intimidades entre os dois.
O Drama:
Um dia, ao atravessar uma rua para aproveitar o sinal fechado, ele correu e quando chegou no outro lado da rua, a vista escureceu e ele caiu desmaiado ao chão. As pessoas o socorreram, fizeram massagem no peito, alguém parou um táxi e levaram-no para um hospital público. Lá do hospital ligaram para Naldinha e ela saiu correndo pra ver o que tinha acontecido. Foi informada que Policarpo tinha tido um AVC muito grave. Que poderia até ficar em estado vegetativo. Naldinha ficou assombrada, talvez pelos filhos que poderiam perder o pai, não que ele fosse o melhor pai do mundo. Mas, como dizem, era o pai.
Lealdade:
Deus colocou as mãos, o Policarpo saiu do coma e foi se recuperando lentamente. A única companhia que ele tinha nessa recuperação e vivia com ele no hospital, era Naldinha.
Um dia, Policarpo teve alta no hospital e foi para casa. O gostosão, o galã, perdeu os movimentos do braço e da perna direita. A boca ficou levemente torta. Ele falava com dificuldade. E Naldinha acudindo-o. Dava comida na boca, dava o banho, dava os remédios, colocava-o no Sol todas as manhãs e conversava com ele. Nunca ela tocou no assunto da tal amante. Nunca perguntou o que ele estava fazendo na Tijuca, quando teve o AVC. Policarpo depois de meses, se recuperou. Não mais precisava tanto de Naldinha.
O admirador:
Um dia ela precisou ir ao hospital para pegar uma receita com o médico que havia atendido o Policarpo. Quando ela saiu do hospital, desabou uma chuva forte, ela então pegou um táxi que fazia ponto no hospital. Ela calada, cabeça baixa, durante o trajeto ,foi surpreendida com a voz do motorista, dizendo que fazia ponto ali no hospital, que já tinha observado ela outras vezes. Naldinha respondeu que era por causa do marido e contou para o motorista como ele tinha ficado. O motorista se colocou à disposição para transportá-la sempre que ela precisasse. Passou pra ela o telefone do ponto de táxi, ela passou pra ele o número do telefone da casa dela. Ao saltar em casa, o motorista de nome Carlos, disse as palavrinhas mágicas que acordaram Naldinha: eu sempre vi você de longe, hoje estou vendo de perto e vejo como você é bonita.
O conselho:
Naldinha se encheu de vergonha e rapidamente entrou no seu prédio. Mas, quem disse que ela esqueceu aquelas palavras do Carlos, o motorista? Vinte e poucos anos sem receber um elogio do marido, nem nos momentos mais íntimos… As palavras do Carlos fizeram raízes. Contou para uma amiga o que tinha acontecido. Esta logo aconselhou e sugeriu que ela procurasse o Carlos. Afinal de contas o casamento dela já não existia. E veio a frase que nessas horas algumas pessoas dizem: vá ser feliz, conhecer alguém que te valorize. Naldinha ainda ficou alguns dias sem coragem de ligar para o Carlos, até que criou coragem e ligou. Daí para frente foram viver uma felicidade escondida. As tardes eram passadas nos braços de Carlos, na casa em que ele morava, num canto de rua de um bairro pobre, mas Naldinha era feliz.
A tragédia
Um dia, Policarpo chama Naldinha pra conversar. Foi no final da tarde quando ela chegou da casa de Carlos. Sentou a sua frente e iniciou a conversa pedindo perdão pelo passado. Em seguida propôs a ela viver como no início quando casaram. Ela ouvia atentamente. Ele pediu então que ela dissesse alguma coisa sobre a proposta dele.
Naldinha começou a dizer que perdoava ele. Não perdoava por ter pena dele, mas porque ele tinha reconhecido o erro. E disse que não gostava mais dele, que viveria com ele como amigo.
Se você analisar o nome Policarpo, vai perceber que “Poli” significa muito, “carpo” sofrimento; dor e o sobrenome Caldas, algo feito com bastante açúcar, faz mal à saúde.
Quando chegou tarde da noite, Naldinha, já quase dormindo, sentiu no seu quarto, um forte cheiro de gás vindo da cozinha, achou que um dos meninos, ao esquentar alguma coisa pra comer, tinha deixado alguma boca do fogão aberta. Levantou-se meio tonta e foi até as janelas do apartamento e abriu, foi até a cozinha, abriu a porta e deparou com o Policarpo deitado no chão da cozinha e já morto.
Me preparei ansiosamente para visitar o lago que me acalmava. Sentar novamente embaixo do ipê amarelo,olhar os patos deslisando em suas águas, os patinhos em fila, seguindo as mães e escutar o canto dos pássaros, que ali também fazem morada. O bem-te-vi,que parece ser um anunciador da vida que corre no lago, bem te vi, bem te vi,que ao escutar muitas vezes vivi. Esperei encontrar o canto suave do sofrê, do sabiá laranjeira, do bando de pássaros pretos e dos canarinhos da terra.
Me preparei para passar a manhã toda do domingo sentado à beira do lago. Agora sozinho, sem meu neto Pedro. Foi naquele lago que ensinei ao Pedro identificar o canto de cada pássaro. Foi ali também que escrevi algumas poesias, uma para o bem-te-vi. Fui caminhando até o lago, ao chegar me deparei com o lago vazio, suas águas se foram, os patos devem ter buscado outro lago, o ipê amarelo não existia mais, não tinham pássaros, nem o canto deles nas árvores.
Mesmo assim fiquei olhando a areia fina,que hoje está no lugar onde existia água, as folhas mortas caídas, que o vento empurra, como a brincar com o fim. O lago secou, como o meu lago interior também secou. A poesia saiu, foi com as águas claras do viver, morreu, como se a noite chegasse ligeira e fechasse os olhos do defunto chamado dia. Sem poesia morre um poeta, parece um lenço branco ao longe.
Quand il est mort le poète,Tous ses amis,tous ses amis,
Tous ses amis pleuraient. Um poeta morre diversas vezes, toda vez que ele se depara com à realidade.
Esses versos do Alceu Valença, definem muito bem o que é a solidão. Cada um de nós carrega a sua solidão. O termo é esse mesmo, carrega. Arrastar seria puxar e puxando ela ficaria visível, todos veriam e dariam opiniões, das mais comuns, tiradas dos livros de autoajuda, até aquelas dos psicoterapeutas. E ela é fera mesmo, ela devora. E ninguém está preparado pra pegar a própria solidão, colocar diante de si e conversar com ela, aí acontece que vamos carregando e deixando que a fera nos devore. Às vezes nem sabemos como essa solidão fez morada na gente, muitos nem desconfiam, quando se dão conta estão em depressão.
Eu faço parte de um grupo, que todos sabem como a solidão chegou até nós. Fazemos parte de uma associação chamada AVICO, Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19. É uma associação criada no Rio Grande do Sul. As pessoas com quem troco experiências e informações, são todas sobreviventes do COVID 19 e saíram com sequelas. Algumas com sequelas leves, outras nem tanto. Cada um de nós passou por uma experiência bastante dolorosa. Ainda estamos passando. Estamos tentando a adaptação às alterações que as sequelas nos impuseram. E ai chegamos às nossas solidões.
No meu caso eu estou prisioneiro no mundo dos outros, dependo deles. O meu ir e vir, a minha locomoção foi prejudicada, os pés ficaram quase rígidos, aprendi a andar novamente e não posso dirigir. Perdi a audição, uso aparelho que nem sempre funciona e descobri que as pessoas não gostam de repetir o que falam para um surdo. Tomo um monte de remédios por dia e pra ficar vivo, faço hemodiálise três vezes por semana. Mas, ainda não mudei meu nome, continuo o mesmo. Continuo não gostando de falsidade, mentira e traição.
Eu descobri uma ponte que me liga com o mundo exterior, passei a escrever mais. Se não fosse o exercício de escrever, voar pela janela que a vida me ofereceu, organizar as palavras no texto que brota na minha cabeça, me comunicar, eu já estaria devorado pela solidão Consegui que os amigos, sobreviventes do Covid, passassem a escrever, colocassem suas emoções em textos. Se comunicassem com eles mesmo.